Reunião Anatomoclínica

24 Abril de 2002

 

Homem de 56 anos de idade procurou atendimento médico no Hospital em razão de falta de ar e dor precordial.

O paciente sabia ser portador de hipertensão arterial há muitos anos, sem referencia ao tratamento. Há semanas passou a sentir dispnéia aos esforços moderados. Há dias passou a sentir dor precordial recorrente, que se tornou intensa. Procurou atendimento médico em outro hospital e foi encaminhado para o Instituto do Coração.

O exame físico de entrada (17 ago 2001;13 h) revelou paciente com pulsos finos, freqüência cardíaca 85 bpm, pressão arterial de 90/50 mm Hg e sinais de hipoperfusão periférica. Havia estertores crepitantes em bases de ambos hemitórax. A ausculta cardíaca foi normal, e não havia alterações no exame abdominal e nem edema de membros inferiores.

O eletrocardiograma (17 ago 2001) revelou ritmo sinusal, freqüência 88 bpm, provável área eletricamente inativa em parede inferior e supradesnivelamento de segmento ST em I, aVL, V5 e V6, com ondas T positivas (Fig. 1)

Os exames laboratoriais [17 ago] revelaram leucocitose, hiperglicemia, aumento taxa da desidrogenase lática; a taxa de creatinofosfoquinase estava normal e a fração MB não foi medida em razão da presença de interferentes (tab. 1)

Foi feito o diagnóstico de choque cardiogênico por infarto do miocárdio por aterosclerose coronária, e foi indicado o cateterismo cardíaco para possível angioplastia primária.

O cateterismo cardíaco [18 ago 2001] revelou pressão média de átrio direito 13 mm Hg, pressões em artéria pulmonar 35/15/22 mm Hg, pressão média de oclusão pulmonar 21 mm Hg, pressões em ventrículo esquerdo 135/0/30 mm Hg e de aorta de 120/60/80 mm Hg. A cinecoronariografia não evidenciou lesões coronárias obstrutivas. A mobilidade das paredes do ventrículo esquerdo também foi considerada normal.

Foi cogitado o diagnóstico de tamponamento cardíaco e indicado ecocardiograma.

O ecocardiograma transesofágico [17 ago 2002] revelou ventrículo esquerdo com cavidade pequena e discreta disfunção sistólica. Havia imagem de derrame pericárdico volumoso, com imagem de grumos e densidade aumentada. O achado foi considerado sugestivo de hemopericárdio, extenso a ponto de envolver todo o coração. O pericárdio (visceral e parietal) estava espessado; o exame com doppler não revelou variação respiratória de fluxo através das valva atrioventricular direita. Entetanto havia limitação de relaxamento do ventrículo esquerdo. Foi diagnosticada imagem ecodensa, compatível com hematoma, que envolvia a aorta ascendente, desde a sua origem, bem como a artéria pulmonar e seus ramos, além de compressão do átrio esquerdo. Não foi visualizada lâmina de dissecção em aorta; a parede da aorta tinha sinais de intensa aterosclerose e apresentava imagem na aorta descendente que foi considerada sugestiva de descontinuidade.

A tomografia de tórax [17 ago 2001] revelou bolha de enfisema na base pulmonar direita, volumosa massa mediastinal anterior, multilobulada, que envolvia todo o coração e se estendia até os vasos da base. A veia jugular esquerda não se contrastou e a veia jugular interna direita estava dilatada e apresentava falha de enchimento em seu interior. O pericárdico estava espessado e, a glândula supra-renal esquerda foi considerada aumentada de volume.

Foram administradas solução de NaCl 0,9% e de dopamina sem elevação da pressão arterial. Houve aumento da pressão venosa jugular, e foi indicada a drenagem do derrame pericárdico.

A intervenção foi realizada ás 22h de 17 ago 2001.

A drenagem derrame revelou derrame que foi considerado de aspecto purulento, altamente viscoso, dificultando a drenagem, e com necessidade de extensão do abertura da pericardiotomia. Seguiu-se a eliminação grande quantidade de sangue, foi cogitada a possibilidade de lesão de ventrículo direito. Foi instituída a circulação extracorpórea pelas artéria e veia femorais direitas e realizada a sutura da parede livre de ventrículo direito. Após a saída a circulação extracoropórea o paciente apresentou hipotensão arterial grave; o eletrocardiograma revelou supradesnivelamento do segmento ST. Foi realizada esternotomia mediana e abertura do saco pericárdico quando foi observada grande coleção de secreção purulenta, de aspecto caseoso. Logo depois o paciente apresentou parada cardíaca refratária às manobras de reanimação e faleceu na noite do mesmo dia.

 

Tabela 1. Exames laboratoriais

Exame

17 ago

17 ago 22:30

Hemoglobina (g/dL)

15,2

9,7

Hematócrito (%)

47

29

VCM (m m³)

87

 

CHCM (g/dL)

32

 

Leucócitos (/mm³)

15300

 

Neutrófilos (%)

80

 

Eosinófilos (%)

1

 

Linfócitos (%)

6

 

Monócitos (%)

13

 

Plaquetas (/mm³)

344000

 

TP (INR)

1,53

 

TTPA (relação D/C)

1,02

 

Glicemia (mg/dL)

159

 

Sódio (mEq/L)

129

130

Potássio (mEq/L)

4,4

4,3

DHL (UI/L)

565

 

CK (UI/L)

14

 

AST (UI/L)

40

 

ALT (UI/L)

64

 

Gasimetria arterial

   

pH

 

7,31

PCO2 (mm Hg)

 

45

PO2 (mm Hg)

 

235

Saturação O2 (%)

 

98,2

HC03 (mEq/L)

 

22,1

Excesso de bases (mEq/L)

 

-3,4