Terapia de Reposição Hormonal – Postura Atual

A doença cardiovascular assume particular importância em saúde pública face ao enorme impacto social, econômico e médico. De fato, nos Estados Unidos os custos anuais com a doença arterial coronariana (DAC) alcançam 100 bilhões de dólares enquanto que com o acidente vascular cerebral (AVC) atingem 45 bilhões e com a hipertensão arterial (HAS) 40 bilhões. (American Heart Association. 2001 Heart an Stroke Statistical Update, 2000)

Quanto ao impacto médico deve ser considerado que a mulher representa um grande problema quanto ao diagnóstico da DAC, muitas vezes tardio, resultando, portanto num atendimento de maior risco; além do mais, apresenta-se com maior número de comorbidades associadas, tais como obesidade, diabetes, hipertensão e outras. (Circulation 1997;96:2468-2482)

Ao se considerar a terapêutica de reposição hormonal no climatério (período compreendido entre os 40 e 65 anos) ou em geriatria (acima dos 65 anos) deve-se ter em mente a tríade representada pelos efeitos colaterais, riscos e benefícios.

O estudo HERS (Heart and Estrogen/Progestin Replacement Study) duplo-cego, randomizado e prospectivo avaliou pacientes coronariopatas, com média etária de 66.7 anos, durante 4.1 anos. Um grupo (1380 mulheres) utilizou o esquema combinado contínuo (estrogênio conjugado eqüino 0,625mg associado ao acetato de medroxiprogesterona 2,5 mg) e o outro (1383 mulheres) recebeu placebo. Os resultados mostraram 172 infartos do miocárdio e mortes por eventos coronarianos no grupo tratado e 176 no placebo, sem nenhuma diferença entre eles. A partir do primeiro ano constatou-se aumento dos eventos, principalmente, nos primeiros quatro meses, no grupo tratado. Do segundo ano em diante, a incidência desses eventos reduziu-se no grupo de mulheres usuárias de hormônios, sem atingir significância estatística. Os autores concluíram que o uso combinado de estrogênios (conjugado equino) e progestogênio (acetato de medroxiprogesterona) não reduzem o risco em mulheres após a menopausa com DAC estabelecida. No entanto, recomendam que mulheres que já estão utilizando a TRH por longo período não devem interromper o tratamento. (JAMA 1998;280:605-13)

Em agosto de 2000 publicou-se o estudo ERA (Estrogen Replacement and Atherosclerosis), em que se avaliou prospectivamente 309 mulheres com DAC estabelecida divididas em três grupos: 1) usuárias de estrogênio isolado; 2) de estrogênio associado ao acetato de medroxiprogesterona e 3) usuárias de placebo. Após 3.2 anos, 248 mulheres foram submetidas à cinecoronariografia e os resultados revelaram que nenhum dos grupos apresentou impacto favorável sobre a progressão da doença, independentemente da severidade da lesão, idade da paciente ou qualquer outra característica. Essas conclusões são coincidentes com as do HERS, ou seja, a TRH não protege as mulheres com DAC estabelecida, quando se utiliza estrogênio conjugado equino e acetato de medroxiprogesterona, ambos por via oral. (N Engl J Med 2000;343:522-529)

Inúmeras têm sido as tentativas objetivando explicar os resultados do HERS e do ERA. A seguir listam-se algumas delas:

  1. O benefício da redução do risco cardiovascular pela TRH constatado nos estudos anteriores seria decorrente de fatores confundidores, conhecido pelo nome de efeito sobre a usuária saudável, ou seja, sobre pacientes com menor risco para DCV; de fato, há relatos de que usuárias de TRH antes de iniciar a terapêutica apresentam menor risco para DAC do que as não usuárias de hormônios;
  2. As doses do estrogênio utilizadas foram altas para a população estudada, visto que o impacto de 0.625 mg de estrogênio conjugado equino (ECE) sobre a síntese hepática dos fatores de coagulação poderia ser mais trombogênico. Nesse sentido, Grodstein et al (2000) mostraram que 0.3 mg de ECE diários, reduzem os eventos coronarianos da mesma forma que as doses 0.625 mg em mulheres sem DAC prévia; (15)
  3. Os progestogênios (tipo e dose) poderiam ter reduzido os efeitos cardioprotetores dos estrogênios;
  4. O uso maior de estatinas no grupo placebo 22% contra 18% no grupo tratado (p= 0,004) poderia diminuir as taxas de mortalidade no grupo sem medicação.
  5. A idade superior a 65 anos, cuja maioria das pacientes encontram-se em idade geriátrica e não climatérica.

É imperioso insistir que tanto o HERS quanto o ERA não contra-indicam a TRH em relação a prevenção primária; além do mais, toda a literatura pertinente até o momento demonstram de forma clara uma nítida proteção, apesar dos estudos serem observacionais. Por essa razão deve-se aguardar os resultados do Women's Health Iniciative (WHI) estudo duplo cego, prospectivo, que deverá, uma vez concluído em 2005; definir a questão: a TRH é uma importante alternativa para a prevenção primária da DAC.

Recentemente, Shlipak et al em estudo cohort, retropectivo, com base nos dados do National Registry of Myocardial Infarction (NRMI-3) avaliaram 114 724 mulheres com idade superior a 55 anos e infarto do miocárdio. Os autores mostraram que a terapia de reposição hormonal parece estar associada com redução de mortalidade pós-infarto do miocárdio. Os resultados deste estudo de prevenção secundária sugerem que a terapia de reposição hormonal para este grupo de pacientes não deve ser contra-indicada, mas sim melhor estudada. (Circulation 2001;104:2300-04)

No Instituto do Coração o Núcleo de Estudo e Pesquisa do Coração Mulher (NEPCOM) coordenado pelo Prof. Dr. José Mendes Aldrighi com a colaboração do Prof. Dr. Antônio Mansur e do Dr. Otávio Gebara desenvolve inúmeros estudos de prevenção primária e secundária com terapia de reposição hormonal. Segundo Prof. Aldrighi "o profissional de saúde deve entender que a terapêutica de reposição hormonal no climatério, com intuito de prevenção da DCV, representa uma alternativa, dentro de um elenco de medidas que obrigatória e prioritariamente devam incluir: dieta balanceada, promoção da atividade física, abolição do tabagismo, manutenção de peso e controles sobre os principais fatores de risco tais como hipertensão arterial, diabetes e outros. É fundamental, também, destacar a obrigatoriedade de exames antes e durante o uso de hormônios, eles a mamografia e a ultrassonografia endometrial".


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